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31/01/2012

Franco nas respostas que são perguntas...

António Franco Alexandre. Fotografia de Manuela C.

QUATRO PERGUNTAS E 5 RESPOSTAS A PROPÓSITO DE OÁSIS

                Parece um livro muito diferente dos anteriores. Parece-me mais explícito e dramático. Por outro lado, o título Oásis, sugere o deslumbramento de quem atravessou desertos. É um livro biográfico no sentido mais intenso da palavra?

                Não é nem mais nem menos biográfico que outro poema qualquer; ou são todos ou não é nenhum. O que talvez seja é mais obviamente narrativo: os meus poemas, mesmo os mais líricos, tendem sempre a ser fragmentos de narrativa são mais extensas, e mais explícitas e dramáticas, como tu dizes. Mas há vários personagens, várias vozes, e não me interessa identificar-me especialmente com nenhuma delas. Quanto ao resto, o livro poderia chamar-se Anti-oásis, o oásis é nele uma figura sobretudo negativa, não é? É o lugar da humidade viscosa, mortífera. Mas duvido que o contrário do oásis seja o deserto.


                O poema é longo com ritmos e vozes distintas, as estrofes, que quiseste bem intervaladas, revelam uma pulsão irregular e bastante sincopada. O poema surgiu impositivamente como monólogo inadiável, ou resulta da junção de diferentes poemas ligados por uma idêntica emoção?

                Foi primeiro pensado, de um modo genérico e formal, e depois escrito continuamente, progressivamente, durante cerca de um ano. Fui escrevendo, improvisando «dentro do tema», e alterando o que tinha escrito, sempre «de trás para a frente»: quando cheguei à última linha, tinha acabado. Mas a estrutura tripartida, simétrica, os paralelismos, estavam fixados à partida, e alguns «episódios» visualizados (mas não escritos). Foi como escrever um conto. A palavra «monólogo» desconsola-me, porque embora tudo o que se escreva tenha necessariamente também a forma da reflexão interior, a intenção é que se sintam claramente as «vozes distintas».


                O eu é neste poema arrebatado e central. Mas eu é aqui também carne, o corpo anatomicamente exposto: olhos, boca, mãos, coração, sangue, carne, corpo, lábios. Este livro indicará uma mudança na tua poesia?

                O personagem mais evidente, às vezes eu e outras ele, é de facto um bocado excessivo, enfático, apesar de andar sempre rodeado de pequenas vozes irónicas ou controladoras. E tem uma irritação, que eu partilho, para com as belas imagens do corpo, toda a fantasia lírica do corpo, que é instrumento de sujeição dos corpos. O sangue, a carne, o veio de hipocondria, são maneiras que ele tem, um tanto brutais, de lutar contra a sedução da imagem. O oásis é também isso, a imagem bem acabada, pelicular.

                Dizem-me sempre que mudo muito, de livro para livro; mas parece-me que a questão, e a linguagem, já estava no Sem Palavras Nem Coisas, e até antes. Eu não penso os meus livros como colectâneas de poemas, mas como poemas completos, necessariamente diferente uns dos outros, até porque de diferentes «géneros». Não posso escrever da mesma maneira um diário de viagem (Visitação) ou o retrato de um amigo (Os Objectos Principais), e assim de seguida.


                Leio o primeiro verso «recebe-me coração espesso de sangue» e o fim do poema: «o coração das folhas para sempre». Este Oásis é um poema de amor? De dissolução? Ou de sobrevivência? Ou principalmente «o verbo que se fez carne»?

                É a carne a fazer-se verbo, não é? Não sei bem. Os primeiros versos são uma invocação, talvez essencialmente uma invocação ao Poema, simbolizando pelas alusões a uma canção de Camões, a um poema de Pessoa… Quando acaba está onde começou, na promessa do poema, que é tudo isso que dizes, amor, dissolução, sobrevivência; se calhar nem chega a haver poema… Entretanto há um passeio por Lisboa, com um companheiro importuno, um diabo menor.

                Por que não me perguntaste nada sobre a presença da música, que é constante, mesmo obsessiva; não se nota? Esse é um dos problemas da leitura que me inquietam, porque há passagens que receio fiquem aberrantes para quem não ligue à alusão musical. Por exemplo todas as frases em inglês são letras de canções, ou títulos. E há ainda um objecto muito importante, o trombone. É preciso pegar num trombone e sentir o inverosímil e maravilhosamente necessário que é fazer música com uma prótese assim. E as conotações históricas do instrumento, umas fúnebres, outras mefistofélicas, outras…, interessam muito. Não quer dizer que todas as alusões ou referências sejam emblemáticas. Formalmente, desejaria cada vez mais fazer poemas como quem faz música, o que não quer dizer «escrever musical».

Entrevista a António Franco Alexandre
In ‘A Phala’, n.º 31, Outubro/Novembro/Dezembro, Assírio & Alvim, Lx, 1992.