28/12/2018

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“(…) os Americanos inventaram a Internet porque temiam que os Russos nalguma próxima guerra mundial pudessem reter quaisquer informações vitais para a liberdade e a democracia. E trezentos e setenta milhões de pessoas tinham acesso à Internet e podiam comunicar os seus pensamentos e desejos em liberdade e sem inibições. E algumas agências de viagens propunham através da Internet e por preços moderados excursões virtuais a países longínquos de acordo com os desejos pessoais de cada hipercidadão. E as mulheres podiam encomendar pela Internet o esperma de um dador anónimo e alguns laboratórios propunham o esperma de homens de qualidade superior como astrofísicos e engenheiros e jogadores de basquetebol etc. As mulheres podiam escolher o esperma de acordo com cento e cinquenta critérios diferentes nacionalidade de origem raça religião habilitações académicas preferências e passatempos pessoais profissão altura peso grupo sanguíneo cor do cabelo pilosidade circunferência dos testículos etc. e podiam por exemplo comprar esperma de um biólogo americano de trinta e seis anos e origem afegã de cabelo negro e olhos azuis ou o esperma de um engenheiro de aviação de quarenta e dois anos do Kansas de religião baptista e de origem holandeso-ucraniana ou o esperma de um xadrezista talentoso de dezassete anos e origem chinesa com testículos pequenos. Uma dose de esperma custava em média 1050 dólares americanos já com portes incluídos e as mulheres também podiam encomendar com ele uma gravação com a voz do dador do esperma. Na gravação dizia ORA VIVA! HOJE É UM DIA DEVERAS BELO COMO SE FOSSE FEITO PARA DAR UMAS PASSEATAS PELA NATUREZA. ESPERO QUE FIQUE CONTENTE COMIGO. E uma mulher que mandou vir a gravação quis saber se não poderia obter um desconto de dez por cento sobre o esperma porque o dador do esperma rolava os erres.”

Patrik Ouředník, “Europeana – uma breve história do século XX”, pp. 108-9 , Antígona Editores Refractários, Lisboa, 2017.

27/12/2018

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Recorda-se da história atribuída ao Dr. Abernethy (…) certa vez um ricaço avarento quis apanhar de borla uma consulta ao célebre médico. Arranjou conversa com êle e impingiu-lhe o relato da sua doença, como se tratasse duma pessoa imaginária. Suponha V. Ex.ª, disse o avaro, que os sintomas são estes; e agora, doutor, o que lhe aconselhava? Apenas uma coisa, volveu Abernethy: que fôsse consultar um médico.”
Edgar Allan Poe, “A Carta Roubada” op. cit in “Antologia dos Mestres do Conto Policial – série primeira”, pág. 27, Portugália Editora, Lisboa, s/d. Org. João Gaspar Simões.


26/12/2018

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 “No ano de 2047 o amor-paixão parecerá, segundo toda a verosimilidade, tão antiquado como o cristianismo. «Amo-te» deixará de ter esse odor confessional, esse bafio de bruxaria medíocre.”
Roger Vailland, “A Roda da Fortuna”, Pág. 173, Editora Ulisseia, Lisboa, 1961.

25/12/2018

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Eu amo os mortos. Amo-os dum modo especial. Mas não tanto como os não nascidos.”
William Soroyan, “Um Dia no Crepúsculo do Mundo”, pág.212, Editora Ulisseia, Lisboa, 1973. Trad. Marina Aparício e Fernando Lopes.

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Marselha, 25 de Dezembro de 1937 Viajar não é bem como diz a Agência Cook. Aquela honrada companhia de mostrar o mundo é, sem saber, uma espécie de agẽncia funerária de uma prematura morte com guia e tudo. Viajar, num sentido profundo, é morrer. É deixar de ser manjerico à janela do seu quarto e desfazer-se em espanto, em desilusão, em saudade, em cansaço, em movimento, pelo mundo além.
Nesta hora, aqui deitado na cama dum Hotel Continental qualquer, a ouvir os passos de um milhão de pessoas na Canebière, que sou eu? Uma pura ressonãncia morta de uma vida longínqua.
Quando amanhã me erguer, ressuscitar, e for outra vez manjerico na minha terra, deste dia, desta hora, desta grande cidade, do que fui nela, que terei eu na mão? Nada, porque não foi nada aquilo que o Lázaro trouxe da sepultura.

Miguel Torga, “Diário I”, pág. 50, 1941, Coimbra.

21/12/2018

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“E os comunistas ciaram uma língua especial a que as pessoas chamaram de pau e que se devia falar na nova sociedade até que se começasse a comunicar pela força da ideia revolucionária. Os linguistas diziam que a língua de pau servia o fim de curto-circuitar a comunicação na esfera pública e fora dela e assim apagar da consciência humana as estruturas linguísticas cognitivas. A língua de pau caracterizava-se por nela as palavras entrarem num complicado sistema de conotações que remetiam para os mecanismos de poder da sociedade. Desta forma as palavras iam perdendo o seu sentido original que era substituído por um significado que era tanto mais lato quanto mais firmemente o orador estava ancorado na hierarquia política. E quando um comunista encontrava outro comunista dizia por exemplo COMO É QUE AVANÇAM AS COLHEITAS NO VOSSO CONSELHO? E o outro dizia CONVOCÁMOS OS AGRICULTORES PARA PARTICIPAREM NO CUMPRIMENTO DO PLANO DESTE ANO ou OCUPÁMO-NOS ENERGETICAMENTE DAS TAREFAS FINAIS ou OS CAMARADAS APRESENTARAM PROPOSTAS DE MELHORAMENTO. Inicialmente essa língua foi utilizada sobretudo para falar do trabalho e das decisões políticas do Estado mas com o passar do tempo as pessoas aprenderam a falar nela de tudo do tempo das férias de programas televisivos ou do facto de a mulher se ter posto a beber e não querer ir às reuniões da associação de pais.”

Patrik Ouředník, “Europeana – uma breve história do século XX”, pp. 106-7, Antígona Editores Refractários, Lisboa, 2017.

19/12/2018

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Porto, 19 de Dezembro de 1943 Cá ando a arrastar os sapatos nestas calçadas graníticas. Um bonzo a cada esquina, mau gosto por todo o lado, mas é o Porto, a nossa cidade mãe, com cornos em lira e jugos lavrados de fantasia.

Miguel Torga, “Diário III”, pág. 124 1954, Coimbra.

12/12/2018

Namasté!...


NAMASTÉ

Ia eu escorreitamente e eis que tropeço
estatelando-me na calçada portuguesa.
Vi estrelas e depois passarinhos
que logo se puseram a andar
ao chegar uma gaivota zen budista.
Hi, I’m Jonathan Livingston Seagull, disse-me.
E eu: Malditos turistas vêm para cá e não aprendem
a língua do Ramos Rosa.
Eu sei-a diz-me prontamente
sou o Fernão Capelo Gaivota e tu
agora tens de escolher se ficas aqui a este nível
ou se regressas para continuares a trabalhar com o Bando.
Enxoto-a com um Aqui há gato! E um Something is fishy!
em inglês não vá ela do Rosa só perceber a ponta dos espinhos.
Mas apareceu-me logo em substituição
uma referência Hollywoodesca.
I’m Morpheus and in this hand I have a red pill
that takes you to the Lá-Lá-Land and in the other
a blue one that takes you back to your day-by-day life.
Fodasse esta calçada portuguesa está repleta de turistas!


RAR

10/12/2018

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“No final do século as pessoas queriam manter-se jovens e dinâmicas mas também ser política e sexualmente correctas ao mesmo tempo o que significava não seduzir mulheres nem sorrir para elas de uma forma lúbrica nem coisa que o valesse nem contar piadas de Judeus e de Alemães e de homossexuais. E algumas mulheres apresentavam queixa contra os seus superiores por estes terem tido uma conversa de conotações eróticas ou lhes terem proposto levarem-nas a casa e no acto terem feito uma cara moralmente dúbia e em 1997 um advogado americano teve de pagar quatro milhões de dólares à secretária por lhe ter despejado no decote uma mão-cheia de bombons de chocolate. E em 1998 alguns americanos quiseram destituir o seu presidente que mantinha relações pouco correctas com uma estagiária e lhe apalpava os seios e lhe enfiava charutos cubanos na vagina e ela fazia-lhe sexo oral por exemplo quando ele estava ao telefone com um representante governamental e os Americanos entretanto bombardeavam o Iraque e os Iraquianos diziam que era para desviar as atenções do comportamento sexual pouco correcto do seu presidente.”

Patrik Ouředník, “Europeana – uma breve história do século XX”, pág. 97, Antígona Editores Refractários, Lisboa, 2017.

07/12/2018

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“Os jovens consideravam que era necessário voltar às raízes da sabedoria e que a sociedade industrializada e a escolaridade obrigatória tinham alterado a relação do Homem com o verdadeiro conhecimento. E diziam que o que dantes qualquer criança sabia hoje já só era do conhecimento de meia dúzia de especialistas e que antigamente as crianças conheciam diversas plantas medicinais e sabiam fazer armadilhas para apanhar coelhos e fazer bolas de erva fresca entrelaçada e enrolar cigarros com folhas de morangueiro e bochechar a boca com uma decocção de urtigas para não lhes darem uma seca em casa. As pessoas mais velhas por seu lado diziam que o que dantes só meia dúzia de especialistas tinha conhecimento hoje qualquer criança sabia por exemplo a raiz quadrada etc. Mas os jovens consideravam que a raiz quadrada de nada servia e passaram a viajar para a Índia e para o Nepal para se familiarizar com a sabedoria oriental e diziam que a moral cristã escravizava as pessoas e que as pessoas na Europa só sabiam contar as árvores ao passo que os Indianos viam a floresta. E não queriam viver num mundo violento e miserável e poluído e partiam para zonas desabitadas na América ou na Escócia ou em França onde fundavam comunas e fumavam haxixe e marijuana e copulavam e entoavam cânticos e ensinavam aos filhos como viver em harmonia com a natureza e defendiam as tradições e tamborilavam em pandeiretas e dançavam à volta de fogueiras e apregoavam ideias.”

Patrik Ouředník, “Europeana – uma breve história do século XX”, pp. 94-5, Antígona Editores Refractários, Lisboa, 2017.

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04/12/2018

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“No final do século as pessoas nos países democráticos começaram a ficar com a impressão de que a democracia e a sociedade de consumo de certa forma também contribuíam para o eclipse da memória e diziam que o excesso de informação era tão perigoso como a censura comunista e que as pessoas estavam alheadas das tradições e das raízes etc. e que a sociedade de consumo tendia inevitavelmente para o esquecimento devido ao seu hedonismo. E que a longo prazo o excesso de informação acabaria por ser ainda mais perigoso que a censura comunista porque não provocava uma reacção e a vontade de resistir mas o cansaço e a resignação.”

Patrik Ouředník, “Europeana – uma breve história do século XX”, pág. 93, Antígona Editores Refractários, Lisboa, 2017.

03/12/2018

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Vila Nova, 3 de Dezembro de 1935 Morreu Fernando Pessoa. Mal acabei de ler a notícia no jornal, fechei a porta do consultório e meti-me pelos montes a cabo. Fui chorar com os pinheiros e com as fragas a morte do nosso maior poeta de hoje, que Portugal viu passar num caixão para a eternidade sem ao menos perguntar quem era.

Miguel Torga, “Diário I”, pág. 19, 1941, Coimbra.

02/12/2018

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“Os sociólogos diziam que a neurose e a depressão eram reflexos da transformação cultural da sociedade ocidental no século XX. E que a neurose era o reflexo de uma sociedade em que dominavam a disciplina e a hierarquia e as proibições sociais e que se tratava de uma expressão patológica do sentimento de culpa. E que a depressão era uma expressão patológica do sentimento de impotência e da consciência do vazio. E que primeiro as pessoas ficavam neuróticas porque teriam gostado de fazer coisas proibidas mas não puderam porque eram proibidas e quando violaram a proibição sentiam-se culpadas. E mais tarde quando tudo era permitido começaram a ser depressivas porque não sabiam o que queriam no fundo fazer e transformaram-se em novos sujeitos patológicos e os psiquiatras diziam que o sujeito patológico tinha mudado completamente de figura. E os sociólogos diziam que a depressão era uma compensação para um mundo em que a liberdade individual já não representava um ideal a alcançar de forma dolorosa mas um obstáculo que devemos dolorosamente ultrapassar. E que a neurose era a angústia de violar as proibições e a depressão a angústia perante o peso da liberdade. E algumas pessoas queriam procurar em tudo algum sentido e padeciam de frustração existencial. E os psicólogos diziam que a procura do sentido da vida se deve à necessidade de expulsar dela o vazio e a morte e que isso permitia viver mais intensamente. E no final dos anos oitenta a Organização Mundial da Saúde emitiu uma declaração dizendo que a depressão era a patologia mais comum no mundo ocidental. Mas dos Estados Unidos da América começaram a infiltrar-se na Europa novas proibições sociais por exemplo que não se deve fumar ou abusar do sal ou contar piadas sobre homossexuais ou viver ociosamente etc.”

Patrik Ouředník, “Europeana – uma breve história do século XX”, pp. 77-8, Antígona Editores Refractários, Lisboa, 2017.

30/11/2018

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“Quando as pessoas deixaram de acreditar em Deus começaram a procurar uma forma de exprimir que o mundo era absurdo e inventaram o futurismo e o expressionismo e o dadaísmo e o existencialismo e o teatro absurdo. E os dadaístas quiseram acabar com a arte e faziam obras de arte com base em coisas com que antigamente não se faziam como arames e fósforos e palavras de ordem e títulos de jornal e listas telefónicas etc. e diziam que se tratava de uma arte nova e absoluta. Os futuristas escreviam versos cheios de interjeições como por exemplo KARAZUK ZUK ZUK DUM DUM DUM e faziam a apologia de uma tipografia expressiva e os expressionistas e os dadaístas escreviam versos em línguas novas e desconhecidas para mostrar que todas as línguas se equivaliam fossem ou não compreensíveis por exemplo BAMBLA Ó FALLI BAMBLA e os surrealistas por seu lado apregoavam a escrita automática e metáforas pouco habituais como por exmplo A MINHA BANHEIRA DE CORTIÇA É COMO O TEU OLHO DE MINHOCA e explicavam porque o sentido desse verso jorrava dele de forma espontânea e que era precisamente isso que era físico e metafísico ao mesmo tempo. Os existencialistas diziam que a metafísica estava em decadência e tudo era subjectivo mas que a objectividade ainda assim existia e que lidávamos mal com a situação porque o mais importante era a intersubjectividade. E que o que estava em causa era que tudo fosse autêntico e que a história e o seu curso decorriam da questão filosófica de saber se o Homem é capaz de comunicar de forma autêntica e se fosse esse o caso a história poderia fazer mais sentido que até então nomeadamente se fosse renovada a instância transcendental. E os linguistas diziam que a comunicação era apenas uma questão do modo de desconstrução e que há maneiras diversas de desconstruir. E as pessoas idosas diziam que a comunicação estava em maus lençóis porque as pessoas já não eram capazes de se olharem nos olhos e que desviavam o olhar mal se encontrava com o de outra pessoa e que hoje em dia as pessoas já só olhavam nos olhos os cegos.”

Patrik Ouředník, “Europeana – uma breve história do século XX”, pp. 71-2, Antígona Editores Refractários, Lisboa, 2017.


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29/11/2018

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E em 1942 os representantes da Cruz Vermelha suíça ficaram a saber das câmaras de gás nos campos de concentração mas decidiram não publicar a notícia porque temiam que os Alemães poderiam abusar disso como pretexto para desacreditar as organizações humanitárias e vedar-lhes o acesso aos campos de prisioneiros e hospitais. E em 1944 os Alemães rodaram para os representantes da Cruz Vermelha e diversas comissões internacionais um documentário sobre a vida no campo de concentração de Terezín. No filme entraram 270 actores e 1600 crianças e vários milhares de figurantes adultos dos quais se excluíram à partida os de cabelo claro porque não tinham um ar suficientemente judeu. O título do filme era QUE BEM QUE SE ESTAVA EM TEREZÍN e neles os judeus iam ao café e cultivavam legumes em pequenas hortas e saltavam à água de cabeça na piscina e iam ao banco levantar dinheiro e aos correios para receber encomendas e escutavam óperas e na biblioteca local debatiam sobre o sentido da civilização europeia. E quando as filmagens terminaram os Alemães organizaram onze transportes especiais e mandaram todos os que participaram no filme para o campo de extermínio em Auschwitz.”

Patrik Ouředník, “Europeana – uma breve história do século XX”, pp. 64-5, Antígona Editores Refractários, Lisboa, 2017.

28/11/2018

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“Nos anos cinquenta os protagonistas dos filmes copulavam sobretudo em campos de trigo porque os campos de trigo estavam associados à juventude e à nova vida que esperava os jovens protagonistas e o vento acariciava as espigas e no horizonte punha-se o Sol e os seios das mulheres inchavam e nos anos sessenta os protagonistas dos filmes copulavam nas ondas da maré nas margens do oceano porque isso era romântico e a areia colava-se-lhes à pele e viam-se-lhes os traseiros e acima da água levantava-se a maresia. Nos anos sessenta também surgiram os primeiros filmes pornográficos em que se copulava quase o tempo todo e nos lugares mais diversos. E nas revistas para jovens raparigas as redactoras mais experientes explicavam como fazer sexo oral bem feito etc. E nas revistas para jovens rapazes os redactores mais experientes explicavam como evitar a ejeculação precoce e como enfiar o preservativo sem que a rapariga o notasse. E as agências de publicidade inventavam anúncios para preservativos e reflectiam sobre a melhor forma de se interpelar os jovens espectadores (aqui está um bom exemplo de como seria confuso usar o novo acordo ortográfico: “jovens espetadores” Nota RAR) e houve uma agência que se lembrou de fazer clipes publicitários em que copulavam diversas figuras dos contos de fadas como a Branca de Neve e a Cinderela e princesa Pele de Burro e Xerazade. Também em filmes artísticos cada vez mais se copulava mas os críticos diziam que não era a mesma coisa porque o que estava em causa não era a cópula enquanto tal mas a sua representação. E quando nalgum filme artístico a cópula era abundante diziam que esse filme expressava a nossa actividade entomológica perante o amor e que estava bem assim porque tal nos permitia reflectir melhor sobre o papel da cópula não só no contexto antropológico cultural ou político mas igualmente na vida humana. Nos anos setenta os protagonistas dos filmes copulavam sobretudo dentro de automóveis porque isso era original e a vida não parava de acelerar e os jovens espectadores que não tinham carro podiam assim imaginar o que os esperava na vida. E cada vez mais os homens estavam deitados por baixo e as mulheres estavam montadas em cima deles porque entretanto se tinham emancipado. E nos anos oitenta surgiu o sexo por telefone e os homens marcavam diversos números onde mulheres lhes diziam ao auscultador ESTOU A FICAR MOLHADA ou ENFIA-MO ATÉ AO FUNDO ou DEIXAS-ME SABOREAR? etc.”

Patrik Ouředník, “Europeana – uma breve história do século XX”, pp. 60-1, Antígona Editores Refractários, Lisboa, 2017.

Mnemónica...

“Mnemónica para achar o valor de π com 30 decimais

Que J’aime à faire apprendre un nombre utile aux sages;
Immortèl Archimède, artiste ingénieur,
Qui de ton jugement peut donder la valeur?

Pour moi, ton problème eut de féconds avantages!…

3,141592653589793238462643383279”


Edmundo B. Bispo, “AbeCedário Profissional e Técnico”, Editores Papelaria Fernandes, 4.ª ed, Lisboa, 1949.

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23/11/2018

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“Os sexólogos diziam que a boneca Barbie era o primeiro instrumento para a construção de uma identidade feminina em rapariguinhas de tenra idade e que o êxito da boneca comprovava que existe uma sexualidade infantil. A sexualidade infantil deu muito que falar no século XX quando se chegou à conclusão que as rapariguinhas de tenra idade gostariam era de ter um filho do papá e que esse filho era no fundo um sucedâneo do pénis porque as rapariguinhas também gostariam de ter um pénis e que a boneca era como um filho do papá e um pénis em simultâneo. Durante muito tempo as bonecas eram unicamente fabricadas como rapariguinhas mas depois também começaram a ser fabricados bonecos rapazinhos e as bonecas rapariguinhas tinham entre as pernas uma fenda e os bonecos rapazinhos um pirilau. E nos anos setenta também começaram a fabricar-se bonecas negras ou castanhas embora a maior parte dos casos quem as comprava fossem pais brancos que assim queriam dar a entender que não eram racistas. O racismo era uma teoria do século XIX que dizia que as raças humanas tinham as suas especificidades inalteráveis e se encontravam em diversos graus de desenvolvimento e que os mais desenvolvidos eram os brancos que tinham um sentido inato para a organização da sociedade e o pensamento abstracto e convívio popular e um racista era uma pessoa que temia que a miscigenação das raças iria pôr em causa as especificidades brancas e minar o potencial genético que permitia aos brancos marcharem na vanguarda da humanidade. As pessoas que não gostavam dos Judeus não eram racista mas anti-semitas porque bem vistas as coisas os Judeus não eram considerados inferiores como por exemplo os Indianos ou os Ciganos etc. A palavra anti-semita apareceu no final do século XIX e designava uma pessoa que não desejava que os Judeus dominassem o mundo e instigava ao seus concidadãos à resistẽncia. O racismo tornou-se um importante problema social após a Segunda Guerra Mundial porque nos países europeus ricos se estabeleceram grandes minorias étnicas que a sociedade tinha de absorver. Existiam dois modelos de absorção de minorias étnicas a integração e a assimilação e a integração era posta em prática por aqueles países que acreditavam que na sociedade civil podem coexistir diversos modelos culturais e que mais vale não misturar um com o outro e preservar as especificidades de cada um e a assimilação era promovida nos países que acreditavam no universalismo e julgavam existir um interesse superior da sociedade a que se encontram subordinadas as especificidades étnicas e culturais. Durante muito tempo o modelo da assimilação era mais bem-sucedido que o da integração porque nos países que o promoviam não havia revoltas raciais como em Inglaterra ou na América mas no final do século quando se começou a falar em globalismo e mundialismo o universalismo passou de moda e cada um queria ter a sua própria identidade e ter orgulho na sua raça não no sentido de raça mas de civilização e viver de acordo com as tradições e voltar às raízes etc.”

Patrik Ouředník, “Europeana – uma breve história do século XX”, pp. 56-8, Antígona Editores Refractários, Lisboa, 2017.