27/10/2018

Grafologias...
















"Grafologia é um estudo pseudocientífico que utiliza a análise da escrita para inferir sobre traços de personalidade. A palavra é por vezes usada incorretamente para se referir à análise forense de documentos. Neste caso, o termo correto seria grafotécnica ou grafoscopia."

fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Grafologia

25/10/2018

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“Os nazis inventaram as câmaras de gás e o Zyklon B como forma rápida e barata de matar uma grande quantidade de gente para salvar a raça ariana da degeneração. Os nazis julgavam que a raça ariana era de todas a melhor e que eles eram a melhor de todas as nações arianas porque sabiam fazer a guerra e o comércio e organizar convívios populares. (…) E das pessoas asfixiadas arrancavam os dentes de ouro e esfolavam algumas delas para com a pele fabricarem abajures para oficiais superiores e importantes agentes políticos. E antes de as enviarem para as câmaras de gás rapavam-lhes o cabelo que depois era aproveitado para rechear colchões ou fabricar perucas para bonecas. E os cientistas inventaram uma forma de com a gordura das pessoas asfixiadas se fabricar sabão para os soldados alemães. A cinco quilos de gordura acrescentavam-se dez litros de água e um quilo de soda cáustica a mistura era fervida numa caldeira durante três horas juntava-se uma pitada de sal levantava-se fervura e deixava-se arrefecer até formar uma crosta que era retirada cortada aos bocados e levada ao lume de novo e antes de arrefecer juntava-se um líquido especial para que o sabão não cheirasse mal. Em Gdansk um soldado alemão enlouqueceu porque antes da guerra tinha tido uma amante que não soubera que era judia e que depois fora levada para Auschwitz e os amigos lhe tinham dito a brincar que esse sabão com que já havia uma semana que se ensaboava era feito dessa amante que o sabiam pelo director da morgue de Gdansk para onde eram levados os cadáveres para deles se fazer sabão. Quanto ao soldado em seguida tiveram de o levar para um manicómio na Alemanha.”

Patrik Ouředník, “Europeana – uma breve história do século XX”, pp. 33-34, Antígona Editores Refractários, Lisboa, 2017.

16/10/2018

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Coimbra, 16 de Outubro de 1945 Uma cobra de água numa poça do choupal, a gozar o resto destes calores, e umas meninas histéricas aos gritinhos, cheias de saber que o bicho era tão inofensivo como uma folha.
Por fidelidade a um mandato profundo, o nosso instinto, diante de certos factos, ainda quer reagir. Mas logo a razão acode, e o uivo do plasma acaba num cacarejo convencional. Todos os tratados e todos os preceptores nos explicaram já quantas espécies de ofídios existem e o soro que neutraliza a mordedura de cada um. Herdamos um mundo já quase decifrado, e sabemos de cor as ervas que não devemos comer e as feras que nos não podem devorar. Vivemos numa paz de animais domésticos, vacinados, com dentes caninos a trincar pastéis de nata, tendo aos pés, submissos, os antigos pesadelos da ignorância. Passamos pela terra como espectros, indo aos jardins zoológicos e botânicos ver, pacata e sàbiamente, em jaulas e canteiros, o que já foi perigo e mistério. E, por mais que nos custe, não conseguimos captar a alma do brinquedo esventrado. O homem selvagem, que teve de escolher tudo, de separar o trigo do joio, de mondar dos seus reflexos o que era manso e o que era bravo, esse é que possui verdadeiramente a vida e o mundo. Diante duma natureza inteira e una, também ele tinha necessàriamente de ser inteiro e uno. Sem amigos e sem vizinhos, sòzinho contra as árvores e contra as sombras, ele era uma fortaleza em si, tendo na própria pele as ameias. Que totalidade a de um ser que não pode confiar senão em si! Socialmente, seremos assim (e somos, certamente) mais fáceis de conduzir, mais úteis, mais progressivos. Mas, individualmente, a que distância estamos de um homem das cavernas! Que tamanho o dele, a caçar bisões, e que pequenez a nossa, a ganhar taças em torneios de tiro aos pombos!
O nosso gritinho de horror diante de qualquer lesma dá bem a perdição a que chegámos. Civilizámo-nos, mas à custa da nossa mais profunda integridade, dispersando-nos nas coisas que fomos desvendando.
Na cobra de hoje ninguém viu sinceramente veneno ou orte. Vimos todos, sim, o manual que aprendemos no liceu. E o estremecimento das meninas histéricas, eco delido do uivo profundo de pavor e de incerteza dos nossos antepassados, foi dum ridículo tal que respingou outros aspectos e outros recantos da existẽncia. Que espécie de sinceridade profunda, de lealdade incontroversa, haverá, por exemplo, em acreditar em Deus com a bomba atómica na mão?
É bem que o homem faça todas as experiências, inclusivamente consigo. Que liberte a energia das pedras e se liberte também a si de todas as clausuras. Mas os instintos? Poderá, na verdade, ele viver desfalcado dessa força que o fechava como um punho e lhe dava uma coesão igual à dos átomos antes de serem bombardeados? Pelo caminho que levamos, um dia virá em que tudo em nós será consciência, compreensão e sabedoria. Mas nessa mesma hora estaremos desmpregados no mundo. Todos os saberemos resolver a equação da vida na ardósia negra onde dantes eram as trevas da nossa virgindade criadora, mas talvez já não haja vida, então.

Miguel Torga, “Diário III”, pp. 129-131, 1954, Coimbra.

14/10/2018

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Coimbra, 14 de Outubro de 1945 Estes novos fazem-me de fel e vinagre, e eu reajo, claro. Mas reajo só por fora. Sou humano, e não é agradável ouvir certos assobios. Por dentro, porém, estou inteiramente com eles. Com quem hei-de estar eu, senão com quem tem a natureza pelo seu lado? Mesmo que façam maus versos e péssima prosa, eles é que têm vinte anos, é que vão trazer ao mundo a sua primavera de agora. E eu, a dizer que não, bebo-lhes as palavras, espreito-lhes os gestos, acompanho-os em todas as suas aventuras, solidário com a verdade que não sabe cantar nem descrever, mas que está espelhada na sua mocidade. Sei, de resto, que a função de uma árvore nova não é dar bons frutos, mas irradiar confiança. No pomar onde já todos os pólens se cruzaram, é ela que traz a virgindade de uma promessa. Às vezes sai cereja bichosa. Paciência. O seu corpo foi morada de uma inquietação, e, enquanto o foi, teve a flâmula azul da vida a drapejar nos seus ramos.
O facto de eu existir, é um argumento sólido para eu não abdicar; mas o facto de um jovem existir ao meu lado, é um argumento para uma conclusão mais sólida ainda: que a própria vida não abdicou, e que é preciso ser-lhe fiel, acompanhando-a na sua esperança..

Miguel Torga, “Diário III”, pág. 128, 1954, Coimbra.

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Coimbra, 14 de Outubro de 1942 – (…) Vêem um pobre lírio a contar uma anedota como nunca ouviram, a segredar-lhes um piedoso galanteio como nunca nenhum namorado lhes disse, e no fim vem isto:

– Que fantástico o senhor está hoje! Nem parece poeta!


Miguel Torga, “Diário II” 3ª ed. Revista, pág. 69, Coimbra Editora, 1960.


10/10/2018

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Vila Nova, 10 de Outubro de 1936 Um Diário não é isto. Diário é o daquele inglês que, para que ninguém o lesse, até uma cifra inventou.
O que eu diria aqui se soubesse escrever em cifra!”

Miguel Torga, “Diário I”, pág. 28, 1941, Coimbra.

26/09/2018

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Monsanto, 26 de Setembro de 1941 – … só não rezo porque não há lages para certos joelhos…”
Miguel Torga, “Diário II” 3ª ed. Revista, pág. 13, Coimbra Editora, 1960.

24/09/2018

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Pinhão, 25 de Setembro de 1945 Desço mais uma vez a estrada que liga as frescuras da montanha a estes calores tropicais, e novamente o velho problema da nossa incultura me começa a moer. Não pode haver no mundo coisa mais bela do que o vale do Pinhão, quando estas primeiras tintas do outono o visitam. A gente olha de cima, e não está mais na terra. Debruça-se sobre um abismo de cor, ao fim do qual dois rios se bebem com sede um do outro. Mas há uma linha decente a dizer isto, não existe uma linha decente a dizer isto, não existe uma lenda a almofodar tanta beleza, nunca um poeta por aqui passou com a lira na mão. O Reno tem castelos, tem Brentanos, tem Heines. O desgraçado Doiro tem as suas pedras descarnadas como ossos secos num deserto. Tanto vinho generoso que deu, tanta força a rasgar rochedos desde a nascente ao mar, e nada. Nem uma pintura, nem um poema, nem uma história! Suor, suor, suor, e a espadela dum barco rabelo, pesada como um lâtego, a açoitar-lhe o lombo doirado. E o pior é que a desgraça visita outros rios e outros vales da nossa terra. Sítios maravilhosos onde nunca chegou a imaginação de um artista, regatos cristalinos que nunca foram vistos por ninguém. O povo, fechado nos antolhos da sua fome milenária, só vẽ courelas e água de regar courelas. E os outros, os bem comidos e bebidos, e que por isso tinham a obrigação de uma acuidade mais ampla, jamais tiveram verdadeiro carinho por esta pátria que sugam desde que ela existe. Nem mandaram um artista passeá-la, nem eles próprios se dignaram parar a liteira no alto dum monte para olhar à volta. Vão gastar o cansaço dos servos nos cafés de Paris, certos que têm bom gosto e são pessoas civilizadas. E o nome com que designam a roça da sua grandeza, é «província». Fecha nestas palavras o seu nojo pelos piolhos e pela lepra que cultivam com um desvelo digno deles e, quando regressam, ficam-se pela Capital. Ficam-se pela Babilónia da nossa perdição, por essa Lisboa que Portugal inteiro sustenta, – enorme, monstruosas e vazia cabeça de um pequeno corpo, de tal maneira cansado de trabalhar, que nem tempo tem para olhar a formosura natural que Deus lhe deu.

Miguel Torga, “Diário III”, pp. 117-118, 1954, Coimbra.

08/09/2018

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Gerez, 8 de Setembro de 1942 – Passeio no jardim botânico. Cedros, acácias, palmeiras, eucaliptos, e tudo me pareceu mais ou menos bem. Mas de repente surgiu qualquer coisa a perturbar a harmonia. Vi melhor, e era uma Ginkgo Biloba, que estava ali, trémula, delicada, aflita, como uma deusa verdadeira num templo falso de exposição. Aterrei-me. Sou assim: diante de uma bananeira, duma araucária, ou de qualquer outra planta assim quente e distante, sinto-me em paz. No meu sangue, os Incas, os Aztecas, os Guaranis, os Hotentotes, os Senegaleses, e todas as outras raças de que a história seiscentista reza, estão de facto conquistadas. Mas, com respeito aos Japoneses, sinto que o tiro do Zeimoto não chegou. Por isso, sempre que me aparece diante dos olhos um leque ou uma árvore assim, a sugerir outra arquitectura, outra música, outra pintura e outra alma, é como se visse o demónio em pessoa diante de mim.”

Miguel Torga, “Diário II” 3ª ed. Revista, pp. 64-65, Coimbra Editora, 1960.

05/09/2018

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S. Vicente, 5 de Setembro de 1943 Um desgraçado com a doença de Ayerza. Que tristeza deve ser ligar o nome a uma coisa destas! Sorte os astrónomos, que dão o seu a estrelas!

Miguel Torga, “Diário III”, pág. 17, 1954, Coimbra.

28/08/2018

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Coimbra, 28 de Agosto de 1944 Ontem uma tarde pavorosa, com raios de quilómetros e graniso de arrátel, e hoje uma manhã calma, doce, fresca e conciliante. Uma paz tão completa em tudo, uma serenidade tão autêntica do céu e da terra, que até as próprias couves destroçadas dos quintais se esforçam para disfarçar as comprometedoras lenhaduras do corpo.
E foi esta hipocrisia da natureza que me estragou os nervos. Os coriscos, embora lhes tivesse, como sempre, um terror vergonhoso, aceitei-os; a pedra, embora uma mais desabrida me tivesse magoado, aceitei-a também. Mas este sorriso sonso do cosmos, irritou-me. Achei-o indigno de uma força que pode abanar montanhas e secar mares. Tive a impressão de que estava a ver todas as tartufices dos homens abençoadas e copiadas por Deus.

Miguel Torga, “Diário III”, pp. 79-80, 1954, Coimbra.

25/08/2018

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Gerez, 25 de Julho de 1943 Aqui apresento ao leitor benévolo o João Cantador, ou seja o Nijinski do Minho. Nasceu em Rio Calvo, nunca foi vencido em desafios de cavaquinho e de malhão, funda na Bíblia as suas réplicas, e é de verdade um bailarino extraordinário único, que só a nossa incultura consente se perca por estas serras a embebedar-se com vinho verde.

Miguel Torga, “Diário III”, pág. 13, 1954, Coimbra.

24/08/2018

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Gerez, 24 de Agosto de 1942 – Mas porque não deixa você de escrever durante uma temporada, para descansar? – perguntava-me hoje alguém.
– Porque era a mesma coisa que um crente deixar de rezar um mês ou dois, por higiene.”
 
Miguel Torga, “Diário II” 3ª ed. Revista, pág. 58, Coimbra Editora, 1960.

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Monte Real, Agosto de 1938, Sexta Uma semana inteira a olhá-la muito em segredo para que nem ela mesmo soubesse que só a cor dos seus olhos enchia a minha solidão. E hoje, quando entrei na sala, tinha o noivo ao lado! O que depois o pobre do violinista fez para me consolar! Até a Viúva Alegre tocou!

Miguel Torga, “Diário I”, pág. 72, 1941, Coimbra.

22/08/2018

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Arrouca, 22 de Agosto de 1945 A moldura vazia de um Murillo roubado, um cicerone que começa a mostrar um orgão de 1.200 vozes e acaba por levar a gente a uma fábrica doméstica de murcelas, e a princesa D. Mafalda num túmulo de prata, muito reconfortada sobre cochins.
– Está conservada… – insinuei eu, a olhar irònicamente a cera da cara e da mão.
E o funcionário, espicaçado nos seus brios, esclareceu:
– Foi retocada… Autênticos, são só os dentes, as pestanas e as unhas…
Diante desta côrnea e calcárea declaração, ainda cuidei que uma devota que resava ao lado estremecesse. Mas não. A fé pode muito. Tanto, que nem era preciso a igreja ter o trabalho de conservar as pestanas, os dentes e as unhas originais da santa…

Miguel Torga, “Diário III”, pág. 111, 1954, Coimbra.

17/08/2018

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Gafanhas, Aveiro, 17 de Agosto de 1944 Este Portugal é assim: meio natural, meio segregado. O natural é de pedra, duro, onde o sal das lágrimas e do suor consegue abrir uma cova plantar uma vide; o segregado é de bosta de gente e de ovelhas, de sargaço e mexilhão, e é roubado aos ribeiros e ao mar.
E há quem tenha coragem de parasitar isto!

Miguel Torga, “Diário III”, pág. 77, 1954, Coimbra.

15/08/2018

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Caldelas, 15 de Agosto de 1945 O Japão pediu a paz. O imperador, na sua qualidade de Deus, resolveu neutralizar pela mansa a bomba atómica. Os seus súbditos, porque acreditam nele, desataram a abrir a barriga, que é um fedor. Ele, felizmente, é que não tem em quem acreditar, e fica.

Miguel Torga, “Diário III”, pág. 110, 1954, Coimbra.

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Figueira da Foz, 15 de Agosto de 1939 Leitura das cartas de Lawrence. Grande bicho! Mas quando falava com entusiasmo da sua coragem de solidão, fui atacado à má-cara:
– O Lawrence era como muitos sujeitos, que se dizem auto-suficientes, mas acabam sempre por acrescentar em post-scriptum: – ...Não venha, não é cá preciso, mas, se quisesse vir, seria a maravilha das maravilhas...

Miguel Torga, “Diário I”, pág. 104, 1941, Coimbra.