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16/02/2017

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“...fizeram sobre mim um caminho...
...era-lhes tão fácil maltratarem-me que nem precisavam de ajuda.
...mas agora a minha alma derrama-se sobre mim, e o tempo mísero apossou-se de mim.
Os meus ossos são verrumados à noite; e os que me perseguem não se vão deitar.
Pelo tamanho da força sou eu vestido sempre de novo; e cingem-me com ela como com a abertura do meu vestido.
As minhas entranhas fervem sem cessar, atacou-me o tempo mísero...
A minha harpa fez-se queixume, e a minha flauta pranto.”

Rainer Maria Rilke, “Os Cadernos de Malte Laurids Brigge”, pág. 54, Ed. Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, 1954. Trad. Paulo Quintela.

08/09/2016

Dourador...

Encadernaçäo e gravaçäo de RAR - "Os Cadernos de Malte Laurids Brigge" do Rainer Maria Rilke

Finalmente tive algum tempo para Encadernar o  "Os Cadernos de Malte Laurids Brigge" do Rainer Maria Rilke (RAR)

Os Cadernos de Malte Laurids Brigge" do Rainer Maria Rilke

10/07/2016

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“Pedi a minha infância, e ela voltou, e sinto que ela continua a ser tão difícil como outrora e que de nada serviu ter envelhecido.”

Rainer Maria Rilke, “Os Cadernos de Malte Laurids Brigge”, pág, 65 Ed. Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, 1954. Trad. Paulo Quintela.

03/07/2016

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Por vezes passo por pequenas lojas, na rue Seine por exemplo. Antiquários ou pequenos alfarrabistas ou vendedores de gravuras com montras pejadas. Nunca ninguém lá entra, pelo visto não fazem negócio. Mas, se olharmos lá para dentro, vemo-los sentados, sentados a ler, descuidados; não cuidam do dia de amanhã, não se inquietam por qualquer êxito, têm um cão que está sentado diante deles de bom humor, ou um gato que faz o silêncio ainda maior ao roçar-se ao longo das filas dos livros como se limpasse o pó dos nomes das lombadas.
Ah, se isso fosse bastante: desejaria por vezes comprar uma montra cheia e sentar-me atrás dela com um cão por vinte anos.”

Rainer Maria Rilke, “Os Cadernos de Malte Laurids Brigge”, pág, 43 Ed. Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, 1954. Trad. Paulo Quintela.

06/06/2016

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“Porque os versos não são, como as gentes pensam, sentimentos (esses têm-se cedo bastante), – são experiências. Por amor de um verso têm que se ver muitas cidades, homens e coisas, têm que se conhecer os animais, tem que se sentir como as aves voam e que se saber o gesto com que as flores se abrem pela manhã. É preciso poder tornar a pensar em caminhos em regiões desconhecidas, em encontros inesperados e despedidas que se viram vir de longe, – em dias de infância ainda não esclarecidos, nos pais que tivémos que magoar quando nos traziam uma alegria e nós a não compreendemos (era uma alegria para outro –), em doenças de infância que começam de maneira tão estranha com tantas transformações profundas e graves, em dias passados em quartos calmos e recolhidos e em manhãs à beira-mar, no próprio mar, em mares, em noites de viagem que passaram sussurando alto e voaram com todos os astros, – e ainda não é bastante poder pensar em tudo isto. É preciso ter recordações de muitas noites de amor, das quais nenhuma foi igual a outra, de gritos de mulheres no parto e de parturientes leves, brancas e adormecidas que se fecham. Mas também é preciso ter estado ao pé dos moribundos, ter ficado sentado ao pé de mortos no quarto com a janela aberta e os ruídos que vinham por acessos. E também não é ainda bastante ter recordações. É preciso saber esquecê-las quando são muitas, e é preciso ter a grande paciência de esperar que elas regressem. Pois que as recordações mesmas ainda não são o que é preciso. Só quando já não têm nome e já se não distinguem de nós mesmos, só então é que pode acontecer que, numa hora muito rara, do meio delas se erga a primeira palavra de um verso e saia delas.”

Rainer Maria Rilke, “Os Cadernos de Malte Laurids Brigge”, pp.19-20, Ed. Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, 1954. Trad. Paulo Quintela.

04/06/2016

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“ESTE excelente hotel é muito antigo; já nos tempos do rei Clovis se morria lá em algumas camas. Agora morre-se em 559 camas. Em série, naturalmente. Com tão enorme produção, é claro que a morte individual não é tão bem acabada, mas isso também não interessa. O que conta é o número. Quem é que hoje dá ainda importância a uma morte bem executada? Ninguém. Até os ricos, que se podiam dar ao luxo de morrerem com todos os matadores, começam a tornar-se desleixados e indiferentes; o desejo de ter uma morte pessoal está-se a tornar cada vez mais raro. Mais algum tempo ainda, e tornar-se-á tão rara como uma vida pessoal. Meu Deus, aqui há de tudo! Chega-se, encontra-se uma vida prontinha, é só vesti-la. Quer-se partir ou é-se forçado a fazê-lo: ora, nada de esforços!: Voilà votre mort, monsieur. Morre-se como calha; morre-se a morte que pertence à doença que se tem (pois desde que se conhecem todas as doenças sabe-se também que os diferentes remates letais pertencem às doenças e não aos homens; e o doente já não tem, por assim dizer, nada que fazer).
Nos sanatórios, onde se gosta tanto de morrer e com tanta gratidão por médicos e enfermeiras, morre-se uma das mortes empregadas no estabelecimento; isso é de bom tom. Mas quando se morre em casa, é natural escolher aquela morte cortês da boa sociedade, com a qual começa já por assim dizer o enterro de primeira classe e toda uma série das suas belíssimas exéquias. E então os pobres ficam parados diante de uma tal casa e fartam-se de ver. A morte deles é naturalmente banal, sem cerimónias. Dão-se por felizes quando encontram uma que sirva mais ou menos. Pode ficar larga: sempre se cresce um poucochinho. Só quando ela não aperta bem sobre o peito ou esgana um bocado, então é que é mais custoso.”

Rainer Maria Rilke, “Os Cadernos de Malte Laurids Brigge”, pp.8-9, Ed. Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, 1954. Trad. Paulo Quintela.

01/06/2016

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(Óleo de Lou Albert-Lasard, 1916)

Já disse? Aprendo a ver. Sim, estou a começar. Ainda vai mal. Mas vou aproveitar o meu tempo.
Por exemplo: que nunca tenha tido consciência de quantas caras há. Há muitas pessoas, mas há ainda mais caras, pois cada uma tem várias. Há pessoas que usam uma cara anos seguidos; gasta-se naturalmente, suja-se, quebra nas rugas, alarga como luvas que se usaram em viagem. Só as pessoas simples, poupadas; não mudam de cara, nem a mandam lavar. Serve muito bem, afirmam elas, e quem é que lhes pode provar o contrário? Mas perguntar-se-á: Se têm várias caras, que fazem às outras? Guardam-nas. Serão para os filhos. Mas acontece também os seus cães sairem com elas. E porque não? Uma cara é uma cara.”

Rainer Maria Rilke, “Os Cadernos de Malte Laurids Brigge”, pp.5-6, Ed. Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, 1954. Trad. Paulo Quintela.

25/04/2016

Errata...


“– E quando escrevi o meu drama, como eu errei! Era eu então um imitador e um louco para precisar de um terceiro para contar do destino de dois seres humanos que faziam a vida dura um ao outro?...”

Rainer Maria Rilke, “Diários de Malte Laurids Brigge, pp. 20-1, Instituto Alemão da universidade de Coimbra, 1955. Trad. Paulo Quintela.

21/03/2012

Pormenor das "Meninas" de Diego Velázquez (1599-1660)


EL PRADO

Os quadros são coisas completas
na engrenagem das salas
e nós vamos no rasto que eles deixam.

Comemos uma salada reles no buffet do Prado
e os “novos artistas de Espanha”
fumam-nos o tabaco todo com os cotovelos
fincados no mapa.

A beleza tem peso e consequência, as salas
parecem tão cheias que não sobra no espaço
um lugar para nós.

Velhas como as árvores,
as  Meninas.

Rui Pires Cabral in «A Super-Realidade», ed. Língua Morta, p.27, 2011.

E porque também tem ‘menina’, ‘árvores’ e ‘prado’ segue o seguinte soneto de Rilke:

II

E era menina quase, e eis se ergueu
desta ventura una de canção e lira
e clara brilhou através do seu véu
a Primavera e fez no meu ouvido a cama.

E em mim dormiu. E tudo foi seu sono.
As árvores, que de sempre admirei, esta
lonjura de sentir, o prado já sentido
e todo o espanto que me veio ferir.

Ela dormiu o mundo. Deus cantor, como é que
tu a completaste, que ela não te pedisse
pra acordar primeiro? Vê – surgiu e adormeceu.

E a sua morte, aonde? Oh, inventarás inda
este motivo, antes que o teu canto se consuma? –
Pra onde é que ela cai, de mim caída?... Menina quase…

Rainer Maria Rilke, in «Sonetos a Orfeu», ed. Inova, versão de Paulo Quintela, p.90.