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28/02/2018

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Coimbra, 28 de Fevereiro de 1942 – Fala-se da geração de 70. E logo toda a gente recita o velho estribilho: Antero e Eça. De Oliveira Martins, nada, claro está. Mas era de esperar. Numa terra de patrioteiros e de maus leitores, uma obra assim tinha fatalmente de ser esquecida. Antero e Eça, cada qual ao seu modo, lisonjearam este complicado orgulho que nos mata. As abstracções e a poesia dum, os romances e as ironias do outro caíram como sopa no mel dentro do saco sem fundo da nossa ignorância e da nossa estultícia. Um pensador-poeta, que só meia dúzia de lunáticos lê e medita, e um romancista que faz sobretudo caricaturas – que não são, evidentemente, parecidas com nenhum de nós, mas sim com o nosso vizinho –, é claro que eram oiro sobre azul. Que diabo!, sempre faz falta numa sociedade que se dá ares um filosofo-poeta e um romancista! Mas um Oliveira Martins? Sim, um homem a verrumar-nos, a analisar-nos colectivamente, sem poder fugir nenhum, a mostrar-nos à Europa com a alma ainda a escorrer sangue e façanhas, intolerância e fado?
O caso era na verdade muito mais duro. E por isso, aquele que dos três melhor nos conheceu, nos desfibrou, nos deu sínteses duma beleza que não tem confronto com nada que se escreveu até hoje sobre esta terra, fica apagado na escuridão da nossa cobardia.
Mas façam aquilo que quiserem, que a verdade é só uma: o grande, o eterno, o que sabia em termos lógicos e seguros quem nós éramos, e teve a coragem de o dizer duma maneira maravilhosa e com as letras todas – foi ele.
Miguel Torga, “Diário II” 3ª ed. Revista, pp. 30-31, Coimbra Editora, 1960.