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12/05/2018

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Hoje falarei do Marrão.
Morreu o portador desta alcunha há um bom par de anos nas costas de África, mas ainda não está esquecido. Aliás, os mais simples casos passados há vinte, trinta ou mais anos, contam-se aqui como do tempo que corre. Os antigos têm poucas distracções: não entraram para as fábricas de Gouveia e Moimenta, como os novos, não se dividiram nem se dispersaram, não mudaram de vida. Curtem o seu reumatismo e as suas memórias. Memórias vivas, nunca alteradas, mas apesar de tudo sem aquele fartum de velhas que enfada o ouvinte. Parece-me a mim… Já me tem calhado perguntar, com o devido respeito: Isso passou-se?… E obter de resposta: Deixe-me cá ver: ô! Inda eu não tinha ido prà América; ou já tinha voltado da América; a minha Teresa inda não era nacida… Em resumo, à roda de uns trinta anos. Porém os fins do Marrão são mais recentes. Morreu degredado, comido pelos pretos, constou cá na aldeia. Mas ninguém o chorou, nem a mulher, uma coxa, a única do povo, de modo fino, cauteloso e sabido.
O Marrão foi casado, como se vê, e teve filhos de que hoje só resta um. É torto, como o pai, mas ainda não tem cadastro oficial. É bruto, mal falante e sombrio, a prometer sempre que há-de vir a morrer degredado lá por coisas a que o obriguem… Serão ditos do vinho, ou o sangue maligno do pai que ainda bula nele. Porém, os companheiros acomodam-no e ele não vai além das promessas. A vida do Marrão era digna de ser contada. Mas por quem? Por algum dos seus parelhas da serra. Pelo Maurício, pastor que bastas vezes o defrontou, homem firme, incapaz de dar costas a outro. Mas o Maurício, que tantas referências lhe faz, remata o assunto sempre mais ou menos deste jeito: Foi um miserável, um desgraçado! Já pagou e nós inda estamos a dever.
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Irene Lisboa, “Crónicas da Serra”, pp.12-13, Livraria Bertrand, Lisboa, s/d.