18/02/2019

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“O CORO

Ora bem. A mola está tensa. Tudo se desenrolará por si. É esta, afinal, a comodidade da tragédia: damos um pequeno toque para que as coisas comecem, um nada, apenas um olhar para uma rapariga que passa na rua e ergue os braços; um desejo de dignidade e de glória, numa manhã ao acordar como se se tratasse de algo que se come; uma pergunta a mais feita certa noite… É o suficiente. Depois, basta deixar correr. Estamos tranquilos. Gira tudo só, com minúcia e precisão. A morte, a traição, o desespero estão lá à espera, e também os relâmpagos, as tempestades, os silêncios. Todos os silêncios: o silêncio que rodeia o carrasco, quando este ergue o braço para o fim; o silêncio que rodeia dois amantes quando, pela primeira vez, surgem na sua nudez, um em frente do outro, sem ousarem dizer uma palavra; o silêncio… quando os gritos da multidão ressoam em redor do vencedor – dir-se-ia um filme ao qual suprimiram o som e que nos mostra um conjunto de bocas abertas, das quais nada sai, como um clamor que não passa de simples imagem; e o vencedor, agora vencido, sòzinho no meio do seu silêncio… é decente, a tragédia. É repousante, acertada… No drama, com todos os seus traidores, todas as suas ruíns pessoas, toda essa inocência perseguida, esses vingadores, esses terras-novas, esses fornecedores de esperanças, com tudo isso, o drama torna-se um perigo de morte, como um acidente. Poderíamos salvar-nos; o bom rapaz talvez pudesse chegar a tempo com os polícias. Na tragédia estamos tranquilos. Estamos, desde o início, em família! Numa palavra: estão todos inocentes! Não importa que haja um que mata e outro que morre. É apenas uma questão de distribuição. E, além disso, a tragédia é, sobretudo, repousante porque sabemos que não há lugar para a esperança, essa horrível esperança; quando se é apanhado, quando se é apanhado como um rato, com o peso do céu sobre as nossas costas, e só nos resta gritar – não gemer ou queixar-se – gritar a plenos pulmões o que se tem para dizer, o que nunca se disse e que, talvez, há momentos ainda não sabíamos que iríamos dizer. E para nada: para o dizermos a nós próprios. No drama debatemo-nos porque esperamos sair dele. É ignóbil, é utilitário. Na tragédia, tudo é gratuito. É para reis. Enfim, não há nada a tentar!”

Jean Anouilh, “Antígona”, pp. 67-8, Editorial Presença, Lisboa, 1965. Trad. Manuel Breda Simões.

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