04/08/2018

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Sete-Pedras, 4 de Agosto de 1942 – (…) Hoje, numa das minhas peregrinações por esta terra portuguesa, que eu amo como um namorado, fui descobrir numa quinta perdida entre milharais e ramadas uma mulherzinha que me fez saltar o coração no peito. A criatura tinha estrume nas mãos, uma rima de netos à volta, os dentes podres, e tudo quanto era preciso para ser dali; mas havia nela um nada indefinido e suspeito que me arrebitou a orelha. Reparei melhor. Penteava o cabelo sem risca, puxado ao alto, andava duma maneira particular, brilhava-lhe nos olhos um sorriso fino, irónico, e falava do Porto como do único sítio do mundo onde a gente se podia lavar à vontade. Com jeito, lá cheguei ao fim – a um cartão que dizia isto:

Carolina Michaëlis de Vasconcelos

Declara que M.R. a serviu durante anos,
É limpa, fiel, e sabe do seu ofício.


Miguel Torga, “Diário II” 3ª ed. Revista, pp. 48-49, Coimbra Editora, 1960.

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