01/12/2017

Sobre as constipações...


“Pois é opinião corrente entre os mais eminentes eruditos que o cérebro não passa de uma multidão de animaizinhos, pequenos mas dotados de garras e dentes extremamente acerados, os quais se mantêm unidos na contextura que nos é dado divisar, como a imagem do Leviatã do Hobbes, ou como abelhas num enxame perpendicular sobre uma árvore, ou como uma carcaça coberta de vérmina, ainda conservando a forma e a silhueta do animal de origem; que toda a invenção é produto da mordedura de dois ou mais destes animais, infligida em certos nervos capilares que procedem do cérebro, a partir do qual três ramos se disseminam até à língua e dois até à mão direita. Afirmam também que estes animais possuem uma constituição extremamente frígida; que o seu alimento é o ar que atraímos, o seu excremento a mucosidade; e que aquilo a que vulgarmente chamamos catarro, constipações e defluxos nasais não são mais do que diarreias epidémicas, a que aquela pequena comunidade é particularmente atreita, devido ao clima em que habita. Mais ainda, que nada menos que um calor violento poderá libertar estas criaturas da sua postura enganchada, ou dar-lhe vigor e disposição para imprimirem as marcas dos seus delicados dentes. Que, caso a mordedura seja hexagonal, produz poesia; a circular gera eloquência, caso a mordedura seja cónica, a pessoa cujo nervo é afectado deste modo estará na disposição de escrever sobre política; e assim por diante.”

Jonathan Swift, “Singela Proposta...”, pp.76-7, ed. Antígona, Lx, 2013.

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