27/08/2017

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FACTOTUM: Há o Teatro D. Maria, que se não apresenta cem quadros dá-nos em cada melodrama cem mortes, duzentas choradeiras e quatrocentos reconhecimentos!
COMETA: Belo, belo! Venha ao Teatro D. Maria! Eu sou doido por emoções fortes! (Música)
1.º NOTICIARISTA: Silêncio, aí o tem justamente num lance bem patético, numa cena de reconhecimento!
DAMA (entra em cena espavorida, com os cabelos caídos): É possível? Meu pai?... Ele?... Ele?... E o meu coração não me dizia nada… (Indo lançar-se-lhe nos braços) Ah!... Meu P a a a a a i!
PAI (correndo da direita com os braços abertos): Minha F i i i i lha!
AVÓ (idem da direita): Minha neta!
NETA (idem da esquerda): Minha Avó!
DAMA (idem da direita): Meu esposo!
ESPOSO (idem da esquerda): Minha Esposa!
(Saindo ao mesmo tempo de diversas partes, caindo todos nos braços uns dos outros e soluçando sobre o ponto, este abre um guarda-chuva)
TODOS (dando muitas palmas): Bravo! Bravo! Bravo!
COMETA (limpando os olhos): É bonito, mas sensibiliza de mais!
PAI: É tarde meus queridos filhos! Agora que afinal sou venturoso não quer a desventura que eu sobreviva à minha ventura! (Cambaleia)
TODOS: Bravo! Bravo!
COMETA (ao mesmo tempo): Bravo! Que pureza de linguagem!
PAI: Sinto-me desfalecer… um veneno fatal percorre as minhas veias… Adeus, eu morro!
TODOS: Envenenado?! Ah!
PAI (ansiando): Sim, meus filhos, mas vou morrer lá p’ra dentro para não entulhar a cena! (Sai aos pulinhos)
TODOS: (os de D. Maria II): Oh! Não, não; não lhe devemos sobreviver!
(Tiram frascos d’água-de-colónia e garrafinhas caricatas, que põem à boca, bebem e vão para dentro tragicamente, figurando que se envenenaram.)

O Melodrama e a Mágica” in «Revista do Ano 1858» de Joaquim António de Oliveira.

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