01/06/2016

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(Óleo de Lou Albert-Lasard, 1916)

Já disse? Aprendo a ver. Sim, estou a começar. Ainda vai mal. Mas vou aproveitar o meu tempo.
Por exemplo: que nunca tenha tido consciência de quantas caras há. Há muitas pessoas, mas há ainda mais caras, pois cada uma tem várias. Há pessoas que usam uma cara anos seguidos; gasta-se naturalmente, suja-se, quebra nas rugas, alarga como luvas que se usaram em viagem. Só as pessoas simples, poupadas; não mudam de cara, nem a mandam lavar. Serve muito bem, afirmam elas, e quem é que lhes pode provar o contrário? Mas perguntar-se-á: Se têm várias caras, que fazem às outras? Guardam-nas. Serão para os filhos. Mas acontece também os seus cães sairem com elas. E porque não? Uma cara é uma cara.”

Rainer Maria Rilke, “Os Cadernos de Malte Laurids Brigge”, pp.5-6, Ed. Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, 1954. Trad. Paulo Quintela.

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