23/04/2014

DE 24 PARA 25 É O NATAL…


Eu quero foder foder
achadamente
se esta revolução
não me deixa
foder até morrer
é porque
não é revolução
nenhuma
a revolução
não se faz
nas praças
nem nos palácios
(essa é a revolução
dos fariseus)
a revolução
faz-se na casa de banho
da casa
da escola
do trabalho
a relação entre
as pessoas
deve ser uma troca
hoje é uma relação
de poder
(mesmo no foder)
a ceifeira ceifa
contente
ceifa nos tempos livres
(semana de 24 x 7 horas já!)
a gestora avalia
a empresa
pela casa de banho
e canta
contente
porque há alegria
no trabalho
o choro da bebé
não impede a mãe
de se vir
a galinha brinca
com a raposa
eu tenho o direito
de estar triste

Não sou
menos
que Einstein
nem que
Claudia Schiffer
não sou
mais
que uma osga
ou que uma barata
não sou mais
inteligente
que um mongolóide
tenho um Q. I.
no limite
superior
da média
todos diferentes
todos iguais
incluo também
os animais
o que nos separa
dos animais
é o pecado original
não é o reconhecimento
no espelho
nem o complexo de Édipo

Os pássaros voam
porque têm asas
os pássaros têm asas
para voar

Mas não se deve perguntar
porquê? nem para quê?
mas para quem?

Darwin Lamarck Afonso Lopes Vieira Cuvier
passarinhos nos ninhos feitos
com mil cuidados
ninhos caídos das árvores
nos caminhos
passarinhos sozinhos
desdentados

A segunda lei da Termodinâmica
a lei leteia
a seta do tempo
a serpente do Paraíso
a entropia
existe
mas também
o Novo Testamento
e as sete artes
existem
para a contrariar
(desejo, logo sou
e eu não acabo
de ser)

Tempestade
num copo
de água
tentar escrever
e não conseguir
o texto é público
é privado
o texto é penico
é púlpito
descarado como o macaco
tímido como a osga
o leitor
ou o autor
partiu uma perna
e o texto
é janela
das traseiras

O amor
é foda
o amor
é boda
(a senhora sabe
da poda?)
o amor
está sempre
fora
de moda
é preciso amar
atrever-se a amar
andar com este
e com este

Deus é a nossa
mulher-a-dias
que nos dá prendas
que deitamos fora
como a vida
porque achamos
que não presta

Deus é a nossa
mulher-a-dias
que nos dá prendas
que deitamos fora
como a fé
porque achamos
que é pirosa

Gosto de me deitar
sem sono
para ficar
a lembrar-me
das coisas boas
deitada
dentro da cama
às escuras
de olhos fechados
abraçada a mim


Adília Lopes, “Florbela Espanca espanca”, pp. 7-12, Black Sun Editores, 1999.

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