04/04/2012

Fernando Esteves Pinto

Fernando Esteves Pinto
"Foi a enterrar no cemitério da Guia.
Fizemos uma pedincha para as flores do costume,
e com cartão que dizia saudades das tuas manas da vida.
O padre veio com as sagradas banalidades
num discurso apressado e tosco
que uma pá de terra enterrou.

Agora que estás a salvo,
protegida das bestas como uma princesa,
a festa continua azeda para o nosso lado.
O luto é coisa de um abrir e fechar de pernas,
e aos poucos a tua memória é vela escura.

Assim voltamos ao mesmo com este corpo
que é o nosso estabelecimento,
para cumprir o horário do sacrifício e da necessidade.
Tudo obrigações que se pagam com urina, herpes e diarreia.

Mas tu sabias, meu anjo, desde o princípio,
que a factura já vinha discriminada
."


Fernando Esteves Pinto, in O Tempo que Falta, Temas Originais, Coimbra, 2011, p. 18



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