17/02/2012

Impressões...

Montagem fotográfica obtida segundo indicações de Álvaro Lapa, a partir da sua fotografia realizada por Luís Palma, 1994.


ÁLVARO LAPA IMPRESSÕES DA LUSITÂNIA

ENDOVELICO (deus do fogo?) (incerto). Deus dos curas (quase). Deus das curas. Esculápios dos celtas? Em pleno Alentejo em plena Mesopotâmia o Santuário de Endovelico ficava alto. Des Deus Endovellicus! Um deus alentejano. Onde está, antigamente estava / Aquele templo sumptuoso e rico / Do Deus Cupido, e que então chamava / O romance vulgar Endovellico[1]. Corresponda a Apolon ou não corresponda.

                S’Miguel da Mota. Alandroal 1890 ido. Homens animais etc. Pedras escavadas em forma de pia. Restos dum deus. Restos dos cultos. Era um E. Muito muito bom. Very very Gwell. Um monte santo.

                (Entrava o porco. Ou a porca. São deuses ctónicos. São deuses médicos.) Baudelaire não aproveitou. Um outro hemiplégico veio a curar-se. Que parece cão. Via nos sonhos. Sonhos da Terra. A Tenríssima curandeira. Segundo determinação avernal. Com inscrições versificadas. E todo o outeiro era sagrado. Misturas de arqueologia e de história. Que significa «segundo o que se Prometeu». Segundo o Yi-King. Espírito da música.

                Há uma encantadora historieta acerca de Confuncio. Uma vez o seu discípulo preferido ouvia-o tocar e ficara cheio de medo e disse-lhe: «O mestre hoje tem pensamentos de assassino.» Isto sucedia enquanto Confuncio observava uma aranha a tecer a teia à volta duma mosca, e por isso ele expressava o que via por movimento das cordas. A habilidade de seguir a música do mestre era tão grande que lhe entendia a emoção; mas não conseguia compreender a causa e apenas percebia que havia pensamentos de assassino misturados. Não era capaz de determinar era se esses pensamentos eram do assassino de homens ou de moscas. Música da terra. Música das transformações. Ocos dum órgão numa sala gigante sob o outeiro ouve-se os martelos. Soa por indigível. Ouvia-se nos sonhos. A voz própria boca de ninguém lábios de Yin ave de arribação. Ou uma pombinha ofertada a Endovellicus. Brûle san satyre. Que Gauguin leu «Mais depuis mon arrivée à Paris la vie que je mène est si peu gaie!» Vivam os canibais. De outro hemisfério. Leite de Vasconcelos. Olhando o Paraíso. Eu ouvi dizer – disse o galego Zoar – que é preciso cruzar os braços sobre o peito e as costas do doente, não sei se isso adianta para as crianças. Um paraíso barroco com o Minho. Floresta de folhas verdes como luz. Lago de Sol. Carne de papel.

Álvaro Lapa
In ‘A Phala’, n.º 39, Setembro, Assírio & Alvim, Lx, 1994.



[1] Braz Garcia Mascarenhas

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