13/12/2011

Dito com aquele respeito… do dó de peito!

Nicanor Sandoval Parra, (São Fabián de Alico, Santiago do Chile, 1914) 



"MANIFESTO

Senhoras e senhores
Esta é a nossa última palavra
- Nossa primeira e última palavra –
Os poetas desceram do Olimpo.

Para os nossos antepassados
A poesia era um objecto de luxo
Mas para nós
É um artigo de primeira necessidade:
Não podemos viver sem poesia.

Diferente de nossos antepassados
- E o digo com todo respeito… -
Nós sustentamos
Que o poeta não é um alquimista
O poeta é um homem como os outros
Um pedreiro que constrói seu muro
Um construtor de portas e janelas.

Nós conversamos
Na linguagem de todos os dias
Não acreditamos em signos cabalísticos.

Ademais, uma coisa:
O poeta está aí
Para que a árvore não cresça torcida.

Esta é a nossa mensagem.
Nós denunciamos o poeta demiurgo
O poeta Barata
O poeta Rato de Biblioteca.
Todos estes senhores
- E o digo com muito respeito…-
Devem ser processados e julgados
Por construírem castelos no ar
Por esbanjarem o espaço e o tempo
Redigindo sonetos à lua
Por agruparem palavra ao azar
Conforme a última moda em Paris.
Para nós, não:
O pensamento não nasce na boca
Nasce no coração do coração.

Nós repudiamos
A poesia de óculos escuros
A poesia de capa e espada
A poesia de chapéu abanado.
Propiciamos a mudança
A poesia a olho nu
A poesia a peito aberto
A cabeça de cabeça descoberta.

Não acreditamos em ninfas nem tritões.
A poesia tem que ser assim:
Uma garota rodeada de espigas
Ou não ser absolutamente nada.

Porém, no plano político
Eles, nossos avós imediatos,
Nossos bons avós imediatos!
Refrataram e se dispersaram
Ao passarem pelo priema do cristal.
Uns poucos se tornaram comunistas
Não sei se foram realmente.
Suponhamos que foram comunistas,
O que eu sei é o seguinte:
Que não foram poetas populares,
Foram uns reverendos poetas burgueses.

Devemos dizer as coisas como são:
Somente um ou outro
Soube chegar ao coração do povo.
Sempre que puderam
Declararam de palavra e de peito

Contra a poesia dirigida
Contra a poesia do presente
Contra a poesia proletária.

Aceitemos que foram comunistas
Mas a poesia foi um fracasso
Surrealismo de segunda mão
Decadentismo de terceira mão,
Tábuas velhas devolvidas pelo mar.
Poesia adjectiva
Poesia nasal e gutural
Poesia arbitrária
Poesia copiada dos livros
Poesia calcada
Na revolução da palavra
Em circunstâncias de poder fundar-se
Na revolução das ideias.
Poesia do círculo vicioso
Para meia dúzia de eleitos:
‘Liberdade absoluta de expressão!’

Hoje nos persignamos perguntando
Para que escreviam essas coisas
Para assustar ao pequeno burguês?
Tempo miseravelmente perdido!
O pequeno burguês não reage
Senão quando se trata do estômago.

Como vão assustá-lo com poesias?!

A situação é a seguinte:
Enquanto eles estavam
Por uma poesia do crepúsculo
Por uma poesia da noite
Nós propugnamos
A poesia do amanhecer.
Esta é a nossa mensagem.
Os resplendores da poesia
Devem chegar a todos por igual
A poesia chega para todos.

Nada mais, companheiros
Nós condenamos
- E o digo com respeito…-
A poesia do pequeno deus
A poesia da vaca sagrada
A poesia do touro furioso.

Contra a poesia das nuvens
Nós contrapomos
A poesia da terra firme
- Cabeça fria, coração ardente
Somos pés-no-chão decididos…

Contra poesia de café
A poesia da natureza
Contra a poesia de salão
A poesia de protesto social.

Os poetas desceram do Olimpo."

Nicanor Parra in “Ex-traídos de Outros Poemas (1950-1968)” trad de António Miranda 

1 comentário:

rapaz disse...

O crítico falhado enquanto artista é uma figura vulgar.

Francisco Félix
13 de Dezembro de 2011

Grato pela partilha deste poema
abraço